Obsolescência Programada: você já ouviu falar disso? Ainda que você não saiba o que é, provavelmente já foi uma de suas vítimas. Se você ficou tentado a comprar um modelo novo de celular, ainda que o seu estivesse quase novo e funcionando perfeitamente, ou se o seu fogão começou a enferrujar ou dar problemas depois de pouco mais de um ano de uso, você já sabe o que é isso.
O documentário “Obsolescência Programada: Comprar, Tirar, Comprar”, produzido pela TVE da Espanha (assista no final do artigo), conta a história secreta dessa prática que hoje controla a economia mundial. Todo mundo já ouviu comentários de que os carros, fogões, geladeiras, etc de antigamente eram mais resistentes; até no filme De Volta para o Futuro há uma piadinha a respeito, quando Marty sugere que Doc Brown abalroe o carro de Biff com o Delorean, e ele responde que seria besteira, pois o automóvel de 1955 tinha uma lataria muito mais resistente, e o Delorean viraria sucata.
O documentário começa com uma impressora que para de funcionar, e o dono é aconselhado por três profissionais de assistência técnica a comprar uma nova, pois isso é mais fácil e sai mais barato do que consertá-la. Mesmo assim, ele não se conforma que um produto novo e moderno não possa ser consertado, e começa a investigar.
A seguir, somos apresentados à lâmpada incandescente mais antiga do mundo em funcionamento. Ela foi fabricada em 1901 e ainda funciona! Isso serve de ponto de partida para contar que em 1924 em Genebra foi criado Phoebus, um cartel secreto cujo objetivo era controlar e limitar a durabilidade das lâmpadas incandescentes de fabricantes de todo o mundo. O cartel nunca foi reconhecido oficialmente, mas nas décadas seguintes nenhuma lâmpada duraria mais de 1.000 horas de funcionamento.
Na década de 30, em plena Depressão, Bernard London sugeriu que a obsolescência programada fosse obrigatória, para gerar mais empregos e aumentar o consumo. Mas a idéia não vingou, pelo menos a parte obrigatória dela. O que salvou a economia americana da Depressão foi o New Deal de Roosevelt e a Segunda Guerra Mundial.
Nos anos 50, a obsolescência estava em plena atividade, mas não era forçada: o próprio consumidor era tentado a adquirir produtos com novo design, com aparência moderna. Os designers industriais criavam objetos de desejo e as agências publicitárias seduziam o consumidor. Ninguém o obrigava a comprar, ou a trocar por um produto mais novo. Mas a base do capitalismo moderno estava lançada.
Não é à toa que os modernos shopping centers são chamados de ‘templos do consumo'; comprar tornou-se uma atividade tão importante para algumas pessoas, quase uma religião. Compramos porque queremos a última novidade, porque temos um cartão de crédito que facilita os pagamentos em até 12 vezes, porque queremos os mesmos produtos que nossos amigos também estão comprando. O celular do ano passado de repente não nos serve mais.
Todo esse processo movimentou e fez crescer a economia, mas como o monstro descrito por Steinbeck em As Vinhas da Ira, o mercado é insaciável e quer sempre mais; sem nome e sem rosto, ele quer crescer infinitamente, as empresas precisam apresentar um balanço melhor que o do ano passado, os acionistas querem mais dividendos, e os consumidores querem os últimos lançamentos.
Mas isso tudo tem um preço: a enorme quantidade de lixo criado a cada ano e o esgotamento dos recursos do planeta, que muita gente acredita serem infinitos. Não são. Só temos um planeta, e se continuarmos consumindo água, metais, combustíveis fósseis, o solo, como se não houvesse amanhã, talvez não haja mesmo.
A obsolescência planejada não é apenas um problema de economia, mas também ambiental. Todo o lixo produzido e não reaproveitado vai se acumulando e ocupando espaço útil, além de causar poluição, especialmente no caso de produtos eletrônicos, que utilizam metais pesados e componentes tóxicos. O cenário mostrado no filme Wall-E pode vir a ser realidade, se não pararmos de criar cada vez mais lixo.
Mas para as empresas e os governos, o que importa são os números no balanço anual, os números no PIB, os números na bolsa de valores. O objetivo é faturar cada vez mais, ter um lucro maior que no ano passado, ganhar cada vez mais, agradar aos acionistas. Tudo isso é explicado de forma detalhada e impressionante nos documentários da série Zeitgeist, dos quais falarei em breve aqui.
Se para a economia o que importa é faturar e vender mais, as empresas não estão interessadas em acabar com a obsolescência programada, não interessa a elas produzir um bem durável que não precise ser substituído depois de um curto tempo. Quem tem que fazer a mudança somos nós.
E como fazemos isso? Para começar, mudando nossos hábitos de consumo. Se o celular que eu comprei ano passado está funcionando bem, para quê comprar outro que tenha um pequeno detalhe a mais? Como dizemos aqui em casa, isso é “perfumaria”. Não faz diferença se o aparelho estiver funcionando bem. Como ele é planejado para não durar, vai acabar quebrando, e então talvez seja hora de comprar outro, se não der para consertar. Ou não.
Essa seria uma boa hora para pensar se realmente precisamos daquele aparelho. Quanta coisa compramos só por comprar, sem realmente precisar. Adotar um modo de vida mais simples, sem tanta tralha, talvez seja interessante em vários aspectos. Além de ser uma boa economia.
Reaproveitar, reutilizar, reciclar: já que a coisa foi fabricada, produzida, comprada, que tal dar uma outra utilidade a ela em vez de apenas jogar fora? Reformar roupas, móveis (um pouco de tinta faz milagres!), criar novos objetos com coisas aparentemente sem utilidade, as possibilidades são enormes. E basta procurar na internet para ver muitas ideias criativas. Que tal?
Lembram daquela impressora? Por fim o rapaz consegue com um hacker na internet um programa de software que, instalado, faz a impressora ignorar o comando de travar após um número determinado de impressões e voltar a funcionar normalmente. Se isso não é obsolescência planejada, o que seria?
Para terminar, uma frase de Gandhi, citada no documentário: “O mundo é suficientemente grande para satisfazer as necessidades de todos, mas será sempre demasiado pequeno para a avareza de alguns”.
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Para saber mais:
– Obsolescência programada na Wikipédia
– Obsolescência Programada – artigo de Gui Brammer no Inovação Verde
– A Obsolescência Programada e a ecofarsa da “Rio+20″ – artigo de Enrique Chiappa no A Nova Democracia
– Conheça os 12 princípios do consumo consciente – Akatu
– A História das coisas… e como isso nos afeta – Rato de Biblioteca
Vídeo – Obsolescência Programada (legendado em português)
httpv://www.youtube.com/watch?v=o0k7UhDpOAo